terça-feira, 6 de março de 2012

Transferencia

De: Helio Nunes
Assunto: catálogo-obra, catalobra, obremcatálogo
Para: Marcelino Peixoto
Diálogo pelo catálogo com "Sem Título - ação de tornar visíveis as seis faces de um cubo", de Marcelino Peixoto.




Olá Marcelino,Obrigado! Recebi ontem seu catálogo e brinquei bastante com as várias possibilidades de remontagem sobre o cartaz, usando a sobrecapa como objeto tridimensional (ou um prisma triangular, ou um paralelepípedo aberto) e também como um plano adicional cobrindo algumas lacunas brancas de papel.É engraçado como uma coisa tão simples quanto uma sobrecapa que fica de pé sozinha influencia tanto numa noção que me é muito cara, que é a de ter-reproduzido, isso é, fantasiar possuir a obra tocando sua reprodução.Poderíamos pegar esse cartaz, emoldurar e colocar na parede. A moldura teria um papel de passagem semelhante ao arcaico: antes ela representava a passagem do ateliê ao espetáculo, agora, seria da reprodução para a obra rediviva. Mas sentimos logo a artificialidade disso, tal como nesse “Vicent” (escrito com letras douradas) aqui na minha frente, numa moldurinha azul; moldurinha igual à de outro Vicent, um pouco diferente, mas igual à do Picasso, que, por sua vez, é um pouco diferente, mas também igual à do Bosch etc.: no final, a moldura e a verticalidade da parede acabam atrapalhando o ter-reproduzido, as obras vão remorrendo, ficam distantes e se vão.Então esse cartaz, saído da plataforma de uma impressora, fica melhor como plataforma ele mesmo, horizontal, desdobrado no chão de tacos parecido com o chão que aparece na fotografia de sem título (Ação de transferir 714 fitas adesivas pintadas em aquarela) que ele traz. Ele se torna uma superfície receptiva a qualquer artefato crítico que me ocorra, e transmite essa crítica – em atraso, mas transmite – para a obra que, nesse ter-reproduzido, se torna aderente às minhas manipulações.Pois manipular a reprodução assim, aproveitando a gramatura, dobrando melhor, invertendo a dobra, alisando, é uma forma de reavaliar a obra, é uma pós-produção crítica.O que essas fotos mostram, acho, é essa oportunidade que só o ter-reproduzido dá. Numa desfaço o caráter de demonstração de sem título (Ação de tornar visível as seis faces de um cubo), noutra o sem título (Díptico) vira um tríptico. E mais tentativas, outras novas críticas, me aproximando mais e mais da obra. E assim fazendo sinto melhor a presença da obra; presença em atraso, mas presença.
De: Marcelino Peixoto
Assunto: Re: Catálogo-obra, catalobra, obremcatálogo
Para: Hélio Nunes
Suas boas novas imagens me pegam em trabalho. Um papel grande horizontalizado de gramatura 400 e uma linha espessa de Malva. Abro, após esta escrita, outro papel a receber o deslizamento da tua escuta. Vou experimentar multiplicar esta imagem. Além dos despojos-obras de Transferência, recebi quinhentos outros catalobras desses. E, por um descuido dos cuidados, não tem data.












Adentrar o mundo com as mãos e designar o tempo do preparo e da transformação são atitudes que vinculam o fazer a uma constante busca de iniciação. Até porque, para o ser humano, fazer não se resume apenas a fazer.
O invisível, o impalpável, o imponderável são forças com as quais todo humano aprende a lidar, no desafio da sobrevivência herdada como primeiro destino. Mesmo assim, é necessário lembrar e relembrar e ir sempre lembrando que o nada nunca é apenas aquilo.
O esforço de um ato se distingue imensamente quando o calor de uma intenção desnatura o
óbvio, catalizando o dia-a-dia como invenção.
Afinal, estamos falando do que? Quem inventa pode ser artista mas, atualmente, as classificações já não comportam as complexidades emanadas do mais simples. Há rapidez nas máquinas porque há ânsia de rapidez no homem. Entretanto, mesmo da rapidez pode se extrair a calma necessária à desconstrução como oportunidade de reencontro com o silêncio.
Viramos então decifradores do incógnito, das coisas. Das matérias, das cores, dos ambientes, das circunstâncias, de todas as tensões que nos educam para o acaso como exercício de viver morrendo, sem recalques.
Pois na intenção, encontra-se a chave de se viver fazendo com alegria, sem se esgotar as possibilidades do fazer. E fazer inventando é viver incorporando surpresas como dinâmicas de aperfeiçoamento do ser. Exatamente como está acontecendo nesse texto no qual eu deveria estar falando das realizações de um artista muito querido. Mas não resisti em compartilhar o que o seu rastro de mundo tem me feito pensar e sentir.
São fitas aquareladas redefinindo cantos esquecidos; são deslocamentos do corpo diluído por montes e montanhas; são pedaços de muros feitos para o exercício do imponderável; são
fragmentos de paisagens que talvez eu nunca veja; é um misto de generosidade e circunspecção que reconhece a seriedade da queda.
Todos cairemos pois já está previsto, há milênio, o retorno ao que não conhecemos. Isso não nos impede de sermos livres para inventar, aplicando o máximo de horas no cultivo de chãos insondáveis, de nuvens, de cores, de muros, de fitas, de sombras solares, de sopros, de
lembranças sensibilíssimas que não morrerão.
Em vista disso, só me resta um agradecimento à energia transmutadora do artista!

Belo Horizonte, julho de 2009.
Marcos Hill
Exposição realizada na Galeria de Arte da Cemig, em 2009.

Ação de instalar e retirar do chão fitas adesivas pintadas com aquarela, e transformá-las em uma esfera.











Ação de transferir 100,08 m2 de aquarela realizada sobre fita adesiva
Ação realizada na abertura da exposição Transferência, na Galeria cemig
BeloHorizonte/MG/Brasil - agosto/2009.
Participam:
Carlos Trovão
Marcelino Peixoto
Mathias Romero
Paulo Nazareth
Thomaz Carbone
Viviane Gandra
Fotografias: Viviane Gandra, Mathias Romero